11 de maio de 2010

Lembranças de uma Paixão - Jo Goodman

Um livrinho de banca para as românticas de plantão!  ;-)

Lembranças de uma Paixão
Autora: Jo Goodman


Editora: Nova Cultural
Edição: 164
Assunto: Literatura Estrangeira - Romance
Série: Bestseller
Lançamento: 15/4/2010



- Sinopse:

Estados Unidos e Inglaterra, 1781

Inegável desejo

A linda e corajosa Rae McClellan agarra ansiosamente a oportunidade de ser uma mensageira a favor das Colônias, sem prever que sua excursão no meio da noite a uma taverna local levaria a um assassinato e a marcaria como uma mulher procurada pela polícia. Salva de uma multidão furiosa de casacos-vermelhos por um homem desconhecido e autoritário, ela é arrastada para uma aventura tempestuosa que se tornará uma batalha por seu país, sua família... e seu coração!

Jericó Smith amaldiçoa o momento em que se viu arrebatado pela desconcertante Rae McClellan... e o desejo febril que ela lhe desperta. Jericó era um dos mais hábeis espiões do Exército, até Rae fazê-lo desejar coisas que nunca se atrevera a desejar antes, como o amor daquela mulher voluntariosa e um legado perdido que o espera na Inglaterra.
No entanto, enquanto ele e Rae se rendem a uma inegável paixão, um inimigo perigoso atravessa o Atlântico, atraindo ambos para uma cilada que poderá pôr em risco suas vidas, bem como o seu amor...

________

- Leia Um Trecho:

Capítulo I

—Tia Rae! Tia Rae! Olhe o meu vestido! — Courtney McClellan rodopiou, erguendo a barra do vestido cor-de-rosa cheio de babados. — Minha mãe não é o máximo? Não dá para ver onde Tommy Miller rasgou a renda.
— Courtney, por favor. Está me deixando tonta — Ashley disse à filha. — Você sabe que Rahab não pode falar. Pegou um horrível resfriado, e está sem voz. Courtney atirou-se sobre a tia, abraçando-a pelas pernas.
— Desculpe, tia Rae! Eu esqueci! — murmurou.
Rahab tocou-lhe a ponta do nariz e balbuciou com voz rouca:
— Menina sapeca.
Courtney caiu na risada.
— Viu, mamãe? Ela me chamou igualzinho ao papai.
— Ela se calou, inquieta. — Quando papai volta para casa?— Logo, querida.
— Mas quando, mamãe? — Courtney insistiu.
— Shhh... — Rae conseguiu balbuciar, afastando os cachos escuros do rosto da menina. — Sua mãe não sabe.
— Oh, Rae! Por favor, não fale! — Ashley exclamou.
— Dói só de ouvir. Quer que eu mande trazer mais uma xícara de chá? Sei que beber chá vai contra seus princípios, mas descobri que não consigo abandonar meu passado completamente. Embora tentasse esconder, e conseguisse na maior parte do tempo, havia momentos em que Ashley não podia
deixar de estremecer ao pensar na vida que conhecera na Inglaterra, até a interferência de um certo Jerusalem McClellan.
— Eu sei. É tolice da minha parte — admitiu Ashley, ao ver o olhar comovido de Rae. — Quando Salem não está aqui, fico triste. Acho difícil não pensar que Nigel possa... Rae lançou-lhe um olhar de advertência, mas já era tarde. Courtney ouvia atentamente a mãe.
— Quem é Nigel, mamãe?
— Curiosa... Ele é meu tio, Courtney. Como Noah e Gareth são seus tios. Mas eu não gosto de meu tio Nigel.
— Por quê?
— Ele não um homem muito bom.
— Por quê?
— Porque ele não tem ninguém para amar, eu acho.
Ela poderia acrescentar que Nigel Lynne, duque de Linfield, amara apenas uma mulher, sua irmã gêmea, mãe de Ashley, e que essa obsessão torpe acabara ocasionando a morte dela. Mas queria esquecer isso. Só quando Salem estava longe é que Ashley pensava se estaria inteiramente a salvo das artimanhas do tio.
— Por quê?
Rae pousou o dedo nos lábios rosados da menina.
— Basta — murmurou. — Hora do cochilo.
— Ah, tia Rae, eu preciso?
— Sim, precisa — Ashley respondeu e levantou-se, ninando o bebê adormecido em seus braços. — Venha, Courtney. Trenton está dormindo. Vai querer ter companhia no quarto quando acordar.
Quando sumiram da vista, Rahab encostou a cabeça na poltrona, fechando os olhos para reprimir as lágrimas.
Como invejava Ashley, pela família que tinha! Era absurdo, esse ciúme, Rae sabia disso. Tentou controlar o anseio de ter com alguém aquela intimidade especial compartilhada por Ashley e Salem. Quando descobrira que seu noivo amava na verdade sua irmã, Leah, Rae rompera o noivado. Afinal, tinha amor-próprio.
Depois disso, no momento em que se convencia a assumir o risco de envolver-se de novo com alguém e permitir que algum homem tivesse a chance de conquistar seu coração, recordava-se de que havia outras mulheres que poderiam tirá-lo dela, e os dispensava antes que pudessem rejeitá-la.
A ironia de seu nome não lhe escapara. Era Rahab, o nome da meretriz bíblica em Jericó, e agora uma mulher intocável pelos homens que se aproximavam. Melhor seria chamar-se Maria, pois era mais provável que permanecesse virgem até morrer, pensou.
Ashley viu os ombros derrubados de Rae e entristeceuse.
Era uma moça cheia de vida e envolvida apaixonadamente por tudo ao redor, até que perdera o noivo para a irmã. Além disso, não conseguia ajudar, como gostaria,  nos esforços para libertar as colônias.
Rae sabia que Ashley tinha permissão para ajudar, e essa ajuda era vital para Salem; o sotaque áspero e os maneirismos britânicos de Ashley ajudavam a desviar as suspeitas da real finalidade das reuniões que promovia.
Ashley não conhecia a cura para o relacionamento atribulado de Rae com os homens, mas surgiu-lhe uma ideia  que poderia aliviar a frustração da cunhada. — Rae, tenho um favor a pedir — disse.
Espantada, Rae virou-se. Não sabia que não estava mais sozinha.
— Acho que Courtney vai ficar resfriada. Recebi uma mensagem de Salem hoje cedo e tenho de entregá-la esta noite e... bem, você se importaria de entregar para mim?
Detesto ter de deixar Courtney quando ela não está se sentindo bem...
Rahab ocultou o brilho de alegria que faiscou em seus olhos, e concordou com a cabeça.
— O bilhete de Salem chegou antes do café da manhã, e o despacho do general precisa ser levado ao Wolfe’s.
Só eu posso traduzir o código da mensagem e, como já fiz isso, é vital que não caia em mãos inimigas. Você pode fazer isso?
Os ombros de Rae se endireitaram.
— Não preciso de voz para ser um courier — balbuciou, rouca.
Ashley riu.
— Primeiro, você irá até o Wolfe’s esta noite, por volta das oito horas. A taverna é frequentada por vários ingleses e mulheres de certa reputação. — Clareou a garganta e fitou Rae nos olhos para ter certeza de que ela entendera.
— Você vai ter de repelir muitos avanços.
A expressão de Rae era de completo ceticismo.
— Oh, talvez não seja uma boa ideia. — Ashley pensou melhor. — Eu mesma deveria ir. Os fregueses do Wolfe’s sabem que é melhor não perder tempo comigo.
Rae sacudiu a cabeça.
— Por favor, eu quero fazer isso — conseguiu dizer. Ashley comoveu-se.
— Muito bem. Você vai procurar por Paul Kroger. É um homem corpulento, meio calvo, de descendência alemã, e normalmente fica na mesa do canto, perto do bar. Vai à taverna três dias por semana, sempre à mesma hora, para esperar um courier. Ele fica até as nove. Se você se atrasar, ele irá embora. Ele não sabe que você irá, mas se usar meu xale xadrez, ele vai perceber que você  assumiu minha tarefa. Paul é um cavalheiro de primeira linha, portanto não se preocupe quando ele a convidar para ir a um quarto no andar de cima. Assim que estiverem no quarto, entregue a carta de Salem, que você vai prender na barra de sua saia, e pode ir embora pela janela. Fica rente a um telhado inclinado da varanda dos fundos, e de lá é fácil saltar para o chão.
Os olhos de Rae se arregalaram. Era difícil imaginar seu irmão permitindo que Ashley corresse tamanho risco.
— Salem teve dificuldade em lidar com isso a princípio — confessou Ashley, com franqueza. — Mas havia a necessidade de um mensageiro, e a coisa toda não dura mais que alguns minutos. Os mensageiros têm usado o Wolfe’s para passar os despachos faz quase três anos, e nunca houve problema. Fará isso por mim?
Rae concordou, empolgada.
— É claro que sim — disse, num fio de voz rouca.
— Ótimo. Agora, vamos ver a roupa para esta noite.
Escolheram uma saia simples azul-marinho e uma blusa branca solta, além do xale escuro de Ashley.
— Não há necessidade de se disfarçar nem de representar — explicou Ashley. — Vou buscar o bilhete de Salem para você costurar na saia. Ao voltar, deixou o bilhete sobre a cama, onde Rae se
sentara, desfazendo um trecho da bainha da saia.
— Você não consegue mesmo falar, não é?
Rae sacudiu a cabeça, pesarosa.
— Oh, Rae, não posso deixar que saia assim esta noite! Como vai se arranjar?
Rae empalideceu e fitou a cunhada com olhos suplicantes.
Ashley suspirou.
— Está bem. Pode ir, mas vai beber seu chá com mel. E um pouco de licor também faria bem à sua garganta.
Rae concordou depressa. Faria qualquer coisa se isso significasse que poderia ir até a taverna naquela noite.
Vestiu a saia e o blusão, soltou os cabelos pelos sobre os ombros e calçou um par de meias pretas e sapatos baixos. Carregando o xale no braço, desceu as escadas para a cozinha.
— Vai pôr um pouco de alguma coisa nesse chá, não vai? — Esther quis saber, enchendo uma caneca com um chá forte. — A mocinha deveria tentar um pouco da especialidade de meu Sam. Vai espantar esse resfriado para fora de seu corpo.
Esther foi até a despensa e trouxe uma garrafa de barro.
Quando puxou a rolha, Rae torceu o nariz com o cheiro de álcool, mas deixou a cozinheira completar a caneca de chá com o licor xaroposo. Mexeu a mistura, tomou um gole e arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Devagar com isso, srta. Rae — avisou Esther. — É um coice forte. — Levou a garrafa de volta para a despensa.
Quando Esther saiu para o quintal, Rae esgueirou-se para a despensa e pegou a bebida. Assim que estava segura no escritório de Salem, acomodou-se na cadeira predileta do irmão. Dobrou as pernas sob o corpo e pôs um pouco mais de licor na caneca. Tomou um gole, estalou a língua e depois pigarreou de leve. A garganta não doeu. Rae tomou mais um longo gole, pôs mais um pouco de bebida na caneca, bebeu mais um pouco e sentiu um entorpecimento estranho. Devia ser o tal coice, pensou.
Ao olhar para o relógio sobre o aparador, viu que tinha ainda trinta minutos antes de sair para o Wolfe’s. Ficou bebericando o chá, e quando tomou o último gole, só parte de seu cérebro compreendia que não havia nenhum chá diluindo o álcool.
Rae empurrou a garrafa para baixo da cadeira, endireitando o corpo ao ouvir a maçaneta da porta girar.
— Achei mesmo que a encontraria aqui — disse Ashley, enxugando as mãos no avental. — Vejo que está pronta.
— Apontou para o xale, que Rae deixara sobre o sofá.
— Será o suficiente? Talvez seja melhor levar a peliça. Tem um vento cortante soprando.
Rae gesticulou, indicando que o xale seria suficiente.
— Se tem certeza... Realmente agradeço o que vai fazer, Rae.Rae meneou a cabeça, levantou-se devagar e pegou o xale, ajeitando-o com cuidado sobre os ombros. Indicou o relógio, mostrando a Ashley que era hora de sair.
— Mais uma coisa — disse Ashley, ao enfiar a mão no bolso do avental.
Os olhos de Rae se arregalaram quando Ashley tirou um punhal de quinze centímetros numa bainha de couro.
— Salem mandou fazer para mim. Espero que saiba como usar isto. Você teve uma educação mais liberal que a minha. Rae concordou, erguendo a saia enquanto Ashley se ajoelhava para prender as tiras de couro em torno de sua coxa.— É só por precaução. Eu me sentirei melhor sabendo que você está com ele. — Ashley endireitou-se. — Por favor, tome cuidado. Espero que volte bem antes da meianoite.
Rae deu um beijo rápido na face da cunhada, esperando que ela não sentisse o cheiro do licor.
— Ficarei bem — rouquejou. — Você vai ver.
Antes que Ashley pudesse dizer alguma coisa, ela afastou-se depressa e saiu da casa.
Nada, em seus vinte dois anos de vida, tinha preparado Rae para aquilo com que se deparou ao cruzar o limiar da Taverna Wolfe’s. Nada. Se não fosse pelo licor, ela teria dado meia-volta e ido embora no mesmo instante. Respirou fundo, expulsou os medos e abriu caminho pelo pub lotado. Uma variedade de cheiros assaltou-lhe as narinas. Bebida azeda, carne assada, o odor pesado de almíscar e suor e... oh, seria urina? Conforme seguia pela multidão, viu-se objeto de alguns afagos rudes. Havia várias mesas compridas na taverna, onde os soldados, com seus uniformes vermelhos, sentavam-se, ombro a ombro, bebendo. Espalhados pelo salão, nichos reservados eram ocupados por aqueles que queriam uma relativa privacidade. No canto onde ela esperava ver Herr Kroger, estava um homem que era o oposto do alemão que Ashley descrevera. O olhar que lhe enviou foi  desconcertante e pareceu desnudá-la até a pele. Não havia nada nele que o recomendasse como um cavalheiro.
— Ei, Ruiva! Você! Aí, perto do gordo! — A voz estridente vinha do bar. — Estou falando com você, Ruiva.
Rae ergueu-se na ponta dos pés e olhou por sobre o ombro do soldado à frente, apontando para si mesma, com ar de interrogação. Nunca ninguém a chamara de Ruiva em toda a sua vida.
O barman fez que sim com a cabeça.
— Já era hora de chegar, Ruiva. Hoskins me prometeu ajuda faz uma hora. — Diante do ar de confusão de Rae, ele emendou: — Você não é a moça que Hoskins disse que viria ajudar hoje?
Rahab ia negar que conhecia Hoskins, mas então lhe ocorreu que trabalhar como garçonete proporcionaria um meio mais fácil de esperar por Kroger.
— Isso mesmo — retrucou. Apressou-se na direção do bar e perdeu ligeiramente o equilíbrio. Tinha ainda muito do licor de Esther circulando nas veias.
— Então, vamos logo com isso — John Wolfe disse, ríspido. Mediu-a de cima a baixo. — Aposto que não sabe nada de servir. E não vai fazer muito, vestida assim. Rae quase gritou quando os dedos roliços de Wolfe se esticaram para seus seios. Soltou um suspiro de alívio quando ele apenas soltou o nó de seu xale, tirou-o de seus ombros e jogou-o de volta para ela.
— Amarre isso na cintura como um avental e abra essa blusa. — Apontou com o queixo para a gola fechada.
— Você não tem nada que esses homens já não tenham visto antes. Talvez menos.
Rae não retrucou, duvidando que sua voz saísse. Abriu a gola, expondo a linha delicada do colo e a curva dos seios. Wolfe encarou-a de novo, enfiou uma bandeja em suas mãos e logo em seguida uma jarra de barro e cinco canecas. Apontou na direção de uma das mesas, particularmente barulhenta.
— Lá. E o que derramar ou desperdiçar sai de sua paga.
Que nem tinham acertado ainda, pensou Rae. Concordou e ergueu o queixo, determinada, rumando para o salão. Jericó Smith acomodou-se, encostando-se à parede para poder ter uma visão ampla da taverna. Esticou a perna no banco para evitar companhia e poder beber sua cerveja devagar. Seus olhos corriam de vez em quando para a porta, quando esta se abria. E, mais uma vez, um ligeiro desapontamento torceu sua boca quando a pessoa que esperava não entrou.
Ergueu a mão, pedindo outra bebida. Já que tinha de ficar sentado ali, esperando por mensageiros que não apareciam, pelo menos poderia arranjar um rabo-de-saia mais a seu gosto, que não fosse a moça que se aproximava da mesa naquele momento.
— Encha de novo — disse a Rahab, empurrando a caneca para a beirada da mesa.
Seus olhos azuis a varreram de cima a baixo, e as sardas que lhe salpicavam as faces o fizeram parar por um momento. Pareciam em desacordo com o tom acobreado fulgurante dos cabelos e as profundezas tentadoras dos olhos verdes. Então, ela desequilibrou-se e levou a mão às costas, os seios para frente, esticando a blusa. Jericó fez um ar de desdém.
— Não estou nem um pouco impressionado.
Rae seguiu a direção do olhar do homem e enrubesceu violentamente. Ergueu a bandeja vazia como se fosse um escudo e, assim protegida, imitou a maneira atrevida como ele a avaliara, baixando o olhar para onde as calças esticavam- se sobre as pernas fortes e rijas.
— Também não estou — retrucou, rouca.
Virou-se de costas, satisfeita com a expressão de espanto que provocara. Arrogante!
Jericó pestanejou de surpresa e se percebeu rindo, apreciando a atitude. Fazia tempo que não ria. Era o preço da guerra. Contudo, os últimos sete anos não tinham sido muito diferentes dos sete anteriores, ou dos outros sete, antes destes. Aos trinta e um anos, Jericó já testemunhara sua cota de adversidade e de maldade. Não tinha motivos para rir. Expulsou os pensamentos amargos e correu os olhos pela taverna. Não pôde esconder o desapontamento.
Quando se oferecera para tomar o lugar de Kroger naquela noite, esperava ver Ashley McClellan. Não sabia se ela viria, mas permitira-se ter esperança. Precisava conversar com ela.
Ashley Lynne McClellan, sobrinha do poderoso duque de Linfield, percebera desde o princípio que Jericó Smith era uma fraude. Fora seu sotaque que o denunciara. A maioria das pessoas não percebia nada diferente em seu jeito arrastado de falar. Suas funções não exigiam que ele se misturasse com a elite Tory ou topasse com comandantes ingleses. Mas Ashley percebera o risco que ele correria
se tivesse feito isso. Sob o sotaque descuidado, havia o vestígio indisfarçável de uma educação em escolas inglesas.
Jericó tivera seus motivos para dar as costas à sua terra natal, e agora lutava por sua pátria adotiva. Essa era a afinidade que compartilhava com Ashley McClellan. E Ashley o respeitava com gratidão porque ele a salvara uma vez do tio obcecado. Jericó teria matado Nigel Lynne, se as circunstâncias tivessem permitido. Mas deixara isso por conta de Salem McClellan. Não havia nenhum homem a quem Jericó respeitasse mais do que Salem. Ou invejasse. E, às vezes, não gostava muito de si mesmo por causa disso.
Ela não viria, decidiu. E ele estava livre para fazer o que bem entendesse. Acenou para uma das moças, pediu um prato e surpreendeu-se procurando com os olhos pela magricela de língua afiada. Talvez pudesse divertir-se com ela antes de ir embora. Já alugara o quarto, pensou, e aquela espevitada era melhor do que nada.
Sorriu quando a avistou, suada, com fios de cabelos colados às faces. Devia estar ansiosa pelo mísero salário daquela noite. Será que aceitaria dinheiro em cédulas do contintente para pagar uma noitada? Usara sua última moeda para alugar o quarto. Então, percebeu que os olhos da moça percorriam
o salão, avaliando cada homem na taverna. Irritou-se.
Talvez por que os olhos dela fossem quase da cor dos de Ashley. Claro, os de Ashley eram límpidos, sem culpa. Os daquela moça eram embotados. Os de Ashley pareciam esmeraldas. Os da garçonete, vidro verde. Jericó praguejou baixinho, contrariado consigo mesmo. Que direito tinha ele de discriminar a mulher? As Ashleys do mundo eram destinadas a homens de bem e honrados, como Salem. Para ele, sempre haveria mulherzinhas que não podiam se dar o luxo de escolher muito; como aquela ali.
Seu jantar chegou, e ele começou a comer devagar. Tomou um gole de cerveja e, por sobre a borda da caneca, viu a moça livrar-se dos avanços de um soldado embriagado, que enfiara a mão pela frente de sua blusa enquanto ela lhe servia a cerveja. Ela afastou a mão dele com um tapa, o que não pareceu aborrecê-lo, ao contrário, ele riu e a segurou pelos braços, dando-lhe uma sacudidela. Ela tentou resistir, mas ele acabou conseguindo puxá-la para seu colo, sentando-a sobre o volume que lhe enchia as calças.
Rae fez uma careta de nojo ao sentir o hálito quente do sujeito em sua orelha, e teria gritado se tivesse voz... ou a esperança de que alguém a ajudasse. Mas, em vez disso, debateu-se e desceu a jarra de cerveja com força na cabeça do atrevido. Errou e acertou a testa do amigo dele, espalhando cerveja por todo lado. O soldado ficou apalermado por um momento, soltou uma obscenidade e
agarrou o pescoço de Rae.
Ela chutou-lhe as canelas, e quando o agressor afrouxou os dedos grossos que queriam esganá-la, ela tentou se afastar, mas o homem atirou-se em seu encalço. Rae desviou- se de lado, e o sujeito agitou os braços no ar para depois cair a seus pés. Ela então ergueu a pesada jarra de barro e jogou-a, quando ele tentou agarrá-la pelas saias.
Num movimento instintivo, o soldado pegou a jarra no ar, dando tempo a Rae para erguer a barra da saia e sacar o punhal preso à sua coxa.
A taverna caiu em silêncio quando ela encarou seu atacante sem se encolher. O punhal faiscou, e o inglês parou ao ver a determinação em seus olhos, mas o silêncio de expectativa que os rodeava o obrigou a ir em frente. Não seria feito de bobo na frente dos amigos. Vermelho de raiva, ele quebrou a jarra na beirada da mesa, pegando um caco denteado como arma. Agachou-se ligeiramente e avançou devagar para Rae. Nenhum som se ouvia, e um círculo se abrira para os combatentes. O
dinheiro começou a mudar de mãos conforme as apostas corriam.
Que situação!, pensou Rae. Como aquilo fora acontecer?
Deveria ter ido embora ao perceber que Kroger não apareceria.
Agora, não havia nada a fazer além de proteger-se e tentar sobreviver.
Ergueu a saia com a mão direita, deixando os pés livres, enquanto segurava o punhal com a esquerda. Sabia como se proteger, e o homem poderia ser vulnerável a uma investida rápida. Sua maior preocupação era controlar o medo do caco pontiagudo que o soldado agitava na mão. Não queria nem pensar no que aquilo poderia fazer em seu rosto.
A arma improvisada do soldado passou a centímetros da face de Rae. Com os olhos faiscantes, ela avançou sobre o casaco-vermelho, provocando-o com a ponta da lâmina. Investiu e cutucou-o, com gestos rápidos. Não tinha intenção de feri-lo seriamente. Queria só desarmá-lo e incapacitá-lo. Porém, quando seus pés escorregaram no chão molhado, o resultado do combate mudou. Rae soltou
um grito apavorante quando sentiu seus pés fugir de sob o corpo e a ponta do punhal cortar a carne e bater no osso. Caiu sobre o soldado, e seu peso, combinado com a força do impulso, derrubou-o de joelhos. E foi seu corpo que enterrou a lâmina inteira no peito do atacante.
Um gemido abafado soou, depois sons de surpresa e dor. Rae recuou, atordoada. Pegou o punhal e arrancou-o do peito do soldado. A sensação do aço escorregando entre músculos e nervos foi horripilante, e ela virou a cabeça, nauseada.
Podia sentir o círculo dos fregueses se fechando em torno de si. Ergueu os olhos, e as faces raivosas e acusadoras mesclaram-se numa única ameaça. Não conseguiu nem gritar sua inocência. Então, sentiu que duas mãos fortes a agarravam e a puxavam para cima. Um homem. Era como se o enxergasse
através de uma vidraça lavada pela chuva. Não protestou quando ele a arrastou pela multidão e para o alto da escada estreita até o segundo andar da taverna. Dissera alguma coisa aos fregueses inclinados sobre o soldado ferido, mas Rae não entendera as palavras. Agora, estavam num pequeno quarto iluminado pelo fogo na lareira, e ela se viu empurrada para uma cadeira de vime. Sua cabeça foi forçada entre os joelhos, e ela não se mexeu até ouvir o raspar de uma tranca ser corrida. Ergueu os olhos com ar de interrogação, mas logo uma mão a agarrava pelo pescoço e empurrava novamente seu rosto para baixo.
— Duvido que tenhamos muito tempo — resmungou  Jericó. — Me dê a faca — ordenou.
Os dedos tensos de Rae mal conseguiam soltar a arma e, por fim, Jericó tirou-a dela. Pegou um lenço sujo do bolso, limpou a lâmina e examinou o punhal. A moça devia ter dado uma bela soma por aquela proteção. Ou talvez a tivesse roubado. Jericó ergueu-a da cadeira e jogou-a na cama
estreita. Quando ela emitiu um som de protesto, ele deu-lhe um tapa de leve na face. A moça encolheu-se. Assim que a viu imóvel, ele sentou-se a seu lado e a prendeu com um braço.
— Se quiser sair dessa situação com seu pescoço inteiro, faça o que eu digo. Não vou pedir nem falar duas vezes. Entendeu?
Ela concordou com a cabeça e concentrou-se no rosto do estranho, reconhecendo-o em seguida. Era o mesmo homem que a olhara com ar insolente e dissera que não estava nem um pouco impressionado. As pontas dos dedos de Jericó deslizaram pela face em que ele batera, como para se desculpar pelo gesto rude.
— Ótimo. No momento em que tiver ideias contrárias às minhas, eu a deixarei para que se arranje sozinha.
Rahab concordou com a cabeça outra vez.
— Percebi que não é de falar muito.
Rae abriu a boca, mas ele pousou um dedo em seus lábios.
— E é a coisa que mais gosto em você. Isso, e o jeito como briga, é claro. Maldição, mas você sabe como manejar essa coisa. — Ergueu o punhal, examinando-o com ar pensativo. — Gostaria de conhecer seu instrutor algum dia.
Sem aviso, ergueu a saia de Rae e enfiou o punhal na bainha de couro.
 — Suas pernas são bonitas — disse com naturalidade,correndo a mão pela perna dela e sorrindo quando Rae tentou cobrir-se. — Você é uma coisinha comovente, não é? Não consigo imaginar o que estava fazendo no Wolfe’s se reage desse jeito ao ser acarinhada.Rae debateu-se como se a mão de Jericó a queimasse.
— Já deveria estar acostumada com o carinho de estranhos, a esta altura. Ou são apenas alguns de nós que você rejeita?
Ela o encarou, apavorada. Será que ele a levara até aquele quarto para se divertir? Teria de ceder para conseguir proteção? Ele pareceu ver esse medo em seus olhos e soltou uma risada breve.
— Não estou interessado, moça. Não no momento, pelo menos. Podemos discutir o preço mais tarde. E antes que se levante, quero que veja isto. — Esticou a perna esquerda e tirou um punhal igual ao que ela carregava. Encostou a ponta da lâmina na depressão do pescoço de Rae. — Nem pense que pode me superar, porque não pode. Posso lutar com uma faca em cada mão. Você pode dizer o mesmo?
Rae meneou a cabeça negativamente.
— Achei que não — Jericó enfiou a arma na bota e, para surpresa de ambos, disse: — Talvez eu lhe ensine um dia.
Levantou-se e foi ouvir à porta. Era difícil dizer o que acontecia lá embaixo. Em questão de minutos a polícia estaria ali. E ele não estava com disposição para enfrentar os oficiais ingleses. Virou-se para Rae. Droga. Parecia tão frágil e inocente na mesma cama onde tinha pensado em se deitar com ela.
— Vamos. De pé. Temos de dar o fora daqui. Você já descansou o tanto que eu podia permitir.

- Fonte: Nova Cultural
http://www.romancesnovacultural.com.br/site1/oquesao_x.asp?codlivros=1122

3 comentários:

  1. ooi, eu me chamo ALine e au amo o seu blog,eu sempre leio,principalmente quando fala de livros sobre Vampiros *-*
    então eu criei um blog também (depois de tantas tentativas) que fala de livros,o Amor de Leitura(http://amordeleitura.blogspot.com/) e equeria que você desse uma olhada :D
    Beijs :*

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  2. Essa capa parece filme dos anos 60, 70, nao parece!? hahaahahahah

    ResponderExcluir
  3. Oi Livia,
    Mas sabe q eu gostei dessa capa? Dá uma sensação de "noir"... sei lá... ;-)

    Aline,
    Tô indo lá fazer uma visitinha.

    Bjs pra vcs meninas,
    Vick

    ResponderExcluir

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