22 de junho de 2010

À Sombra de um Escândalo - Allegra Gray

À Sombra de um Escândalo
Série Clássicos Históricos
Edição 441
Autora: Allegra Gray

Editora: Nova Cultural
Assunto: Literatura Estrangeira / Romances  / Banca
Lançamento: 13/4/2010


- Sinopse:


Inglaterra, 1814

Tudo começou com uma proposta inocente.

Após a morte do pai, Liz Medford se viu sem um centavo e com uma terrível perspectiva para o futuro: casar-se com o desprezível Harold Wetherby. Sua família aprovava a união, mas Liz já testemunhara a natureza cruel de Wetherby e sabia que teria uma vida infeliz ao lado daquele homem. Se ao menos ele desistisse do casamento... A única maneira de desencorajá-lo seria arruinar sua própria reputação, que era ilibada. até aquele momento.

Liz, então, arquitetou um plano brilhante para escapar de seu indesejável pretendente. O único empecilho era o homem com cuja cooperação ela contava para arruinar sua reputação - o irresistível Alex Bainbridge, duque de Beaufort. Alex, contudo, tinha seus próprios segredos, que o levavam a evitar Liz a todo custo, para o bem de ambos. Ele se mostrou irredutível em sua decisão de não participar daquele plano maluco... Porém, Liz estava determinada a fazê-lo ver que era também um plano muito tentador...
________

- Leia Um Trecho Interessante:


Capítulo I

Londres, abril de 1814

Expectativas de família, e a culpa por não estar à altura delas, seriam a ruína de Liz Medford. Dado que seu pai, o barão James Medford, jamais fora um bastião da responsabilidade, tendo acumulado uma verdadeira montanha de dívidas de jogo até morrer inesperadamente, parecia injusto que os parentes esperassem que ela, os salvasse ao se casar com Harold Wetherby.
O terceiro primo podia ter uma renda considerável, mas a lembrança das mãos suadas de Harold, tocando-a quando tinha apenas catorze anos, era o suficiente para convencê-la de que não poderia se casar com ele.
Além disso, uma vez que havia se revelado um retumbante fracasso na seara do casamento, Liz tinha um novo plano... a ser implementado naquela manhã.
No momento em que se encerrou o desjejum, apressou a irmã mais nova, Charity, e a criada, Emma, para fora da casa dos Medford e direto para o Hyde Park, ignorando a torrente de perguntas enquanto se aprontavam.
Estavam no parque não tinha mais de um minuto, quando Charity encarou Liz e lhe levantou o queixo.
— Agora vai dizer o que está acontecendo? Se continuar a me provocar desta maneira, vou acabar morrendo! Liz olhou para trás. Emma caminhava próxima o suficiente para que atuasse como acompanhante, mas sem ouvir a  conversa.
— Está certo. Pelas últimas semanas, pensamos apenas em uma coisa: conseguir um homem, qualquer homem que não seja Harold, para que me peça em casamento. Agora que deixamos
Allegra Gray o luto por papai, titio e mamãe estão ansiosos para que eu aceite a oferta. Estou ficando sem desculpas, mas talvez haja outro modo de escapar.
— Não compreendo.
— Pense. O que Harold ganharia ao se casar comigo?
— Seus contatos. Ele quer respeito, ascensão social.
— Exatamente — confirmou Liz, com alegria.
— Não vejo onde isso vai dar.
— Não quero me casar com Harold, certo? Bem, nós estávamos pensando que eu precisaria de uma oferta melhor para me ver livre. Mas não preciso. Preciso apenas que ele retire sua oferta.
— Mas o que o levaria a fazer isso? Ele já sabe sobre a situação financeira de papai, e nem esse grande fiasco o fez retroceder — assinalou Charity.
— Não, porque, pobre ou não, sou uma “moça de família”.
— Céus, Liz, não sei se gosto do que está pensando!
— Se eu não fosse mais respeitável, se eu estivesse, digamos, arruinada, Harold voltaria atrás! — Quase tropeçou sobre uma raiz, tamanha a excitação diante da ideia.
— Isso é muito ousado. Mas como você faria? E pense no que mamãe e titio fariam! Atirariam você para fora, certamente.
Você seria deserdada, desonrada. Para onde iria?
— Eu poderia trabalhar para viver, por exemplo. — Liz mordeu o lábio, ciente de que seu plano tinha mais coragem do que conteúdo. — Eu teria o que fazer. Sou boa com agulhas, assim poderia trabalhar para uma costureira. Ou então tornarme uma governanta. Qualquer coisa seria melhor do que casarme com Harold. Eu seria forçada a tolerar seu toque e... Arrepiou-se, mas lutou para recuperar o controle sobre as emoções. A irmã mais nova não precisava saber o quanto o primo
distante a assustava. Ele havia tentado chamar sua atenção anos antes, e agora que ela estava mesmo a seu alcance, não pararia por nada até que a houvesse desposado.
A não ser, é claro, que se casar com ela ameaçasse suas ambições e lhe ferisse a preciosa reputação.
— É com você que estou preocupada. Meu casamento deveria garantir seu bem-estar também.
— Faça o que precisar. E não se preocupe demais comigo. Pelo amor de Deus, não se case com o monstro só porque ele se ofereceu para manter-me alimentada e vestida. Mas, para que seu plano dê certo, sua reputação deve ser totalmente destruída, e em breve. Você parece se esquecer de que, apesar dos escândalos e dívidas de papai, você, irmã querida, não tem qualquer peso sobre seu nome.
— Até agora.
Os olhos de Charity se apertaram.
— Você já pensou em tudo. Está tramando algo.
— É claro.
— Bem, conte-me! Você sabe que não suporto quando não me inclui em suas aventuras.
Liz sorriu, serena, ainda que seu coração se acelerasse.
— Você não pensou que viemos ao Hyde Park apenas para um passeio, pensou? Não, Charity, decidi que a melhor maneira de destruir minha reputação, de maneira que seja certo que Harold jamais se aproxime de novo, é ser pega em uma situação comprometedora... com um homem.
Charity parou.
— Liz, você não teria cora...
— Claro que teria.
— Mas... você precisaria de um homem disposto a participar dessa farsa. Nenhum cavalheiro jamais aceitaria tal coisa!
Nenhum cavalheiro. Certamente.
Mas Alex Bainbridge, duque de Beaufort, talvez.
Liz o avistou passeando por um caminho lateral. Mesmo àquela hora da manhã, o homem tinha a aparência de um predador.
Desde que se interessara pelo belo duque, na infância, seguindo-lhe cada movimento com fascinação, ela soubera de sua reputação, a combinar com a aparência letal. Fora assim que descobrira também que ele tinha o hábito de passear pelo parque sempre na mesma hora.
— Está decidido.
— Vai fazer isso agora? Tem certeza de que não há outra maneira?
— Agora. Consegue esconder-se?
Charity olhou em volta.
— Mary Sutherby e a irmã estão logo ali. Vou juntar-me a elas. Por favor, tenha cuidado!
— Cuidado, Charity, é exatamente o que não vou ter.
Os olhos da irmã se arregalaram de apreensão e admiração.
— Boa sorte — disse, e se afastou, apressada.
Liz virou-se. Um olhar apenas em direção a Emma foi o suficiente para que a criada ficasse ainda mais para trás.
Apressou-se, então, apenas o suficiente para que interpelasse o duque enquanto passava-lhe à frente. Puxou o vestido um pouco para baixo, de modo a exibir mais o colo, lembrando-se de que sua presa estava acostumada a mulheres ousadas.
— Sua graça?
— Srta. Medford... — O duque reduziu o passo.
— Posso tomar-lhe um momento? — O coração dela se acelerou. Teve de levantar a cabeça a fim de encontrar-lhe os olhos. Os vastos cabelos negros do duque roçaram as faces mal barbeadas quando ele se curvou para cumprimentá-la.
— É claro. Precisa de algum tipo de ajuda?
— De certa forma.
O duque olhou em volta, como se houvesse algumaemergência.
Liz respirou fundo. Como abordar o caso? Os livros de etiqueta não cobriam o assunto sobre destruir a reputação de alguém, apenas diziam como preservá-la.
— Obrigada, Vossa Graça, por permitir-me um momento de seu tempo. Não estou aqui para engrossar as fileiras de mulheres oferecidas que o cercam, esperando que lhes ofereça a mão.
— Não? — Ele deu um sorriso. — Minha habilidade na valsa deve estar diminuindo. Em geral, não é preciso mais do que isso.
Contente por ter sido lembrada, Liz duelou contra o desejo de responder justamente da maneira que havia se prometido a não fazer.
— Se não é de outra dança que está atrás, e se não teve qualquer infortúnio no parque, então como posso ser de serventia?
— Na verdade, tenho uma proposta a fazer. É mesmo? Uma proposta vinda de uma dama?
A voz era provocante, mas as feições estavam em alerta.
— Apenas espere até que a tenha ouvido.
O duque gargalhou, analisando-a com um olhar descrente, e ela sentiu um arrepio diante do que estava prestes a fazer.
— Veja, minha mãe está me obrigando a me casar e eu gostaria que milorde me arruinasse.
— Como? — murmurou o duque. — Deixe-me compreender... Você quer ser arruinada?
— Sim.
— Por mim? — O rosto do nobre tomou um ar mascarado, e a expressão cínica substituiu a franca gargalhada de momentos antes.
— Sim. Não tenho muita experiência nesses assuntos, mas pensei que Vossa Graça saberia como pôr algo assim em prática. — Compreendo. E o que ganho com isso?
— Imagino que o benefício para milorde seria o que os cavalheiros buscam quando arruínam uma donzela.
O duque se engasgou.
— É claro que se milorde estiver inseguro sobre como fazer...
— Não é meu conhecimento nessa área que me faz pensar. É a tolice da sua proposta. Sabe o que está pedindo?
Liz arqueou uma sobrancelha.
— Faço uma ideia.
— Então sabe o que acontecerá a você.
— Sem dúvida. — Sorriu. Ele poderia não entender, mas aquelas consequências eram exatamente o que ela pretendia.
— Lamento. Não estou interessado. — Ele se virou para ir embora.
— Por que não? — Ela não pôde evitar.
O duque virou-se, encarando-a.
— Pode soar como surpresa, mas não tenho o hábito de seduzir inocentes e assim isentar-me de minhas responsabilidades.
— Compreendo.
Mas não compreendia. Não tinha ele, justo aquela reputação?
— Bem, milorde não precisaria me seduzir. Poderíamos apenas deixar que o rumor se espalhasse.
— Eu já lhe disse. Não estou interessado. — O duque olhou por sobre o ombro, como se devesse estar em outro lugar.
O constrangimento a invadiu, e a garganta apertou-se sob a ameaça do choro. Era hora de aceitar a derrota.
— Neste caso, agradeço por seu tempo, Vossa Graça. Ficaria grata se não mencionasse nada desta conversa a ninguém — murmurou, reunindo os últimos retalhos de dignidade.
Ele acenou-lhe brevemente.
Liz virou-se e se afastou o mais rápido que seu vestido lhe permitia.
Alex analisou a ruiva enquanto ela se afastava, apressada.
Toda a família Medford devia estar louca. Era a única explicação. Ele havia dançado com ela em um baile, e a moça lhe parecera muito atraente.
Mas ele não soubera quem ela era até que fosse tarde demais. Tendo crescido com Liz, no entanto, bem sabia sobre sua solidão. De qualquer modo, jamais tinha imaginado que a inocente garota planejava pedir-lhe que se envolvesse em tão ilícita relação. Onde ela arranjara tal ideia?
Só podia estar louca.
— Liz, uma palavra com você — disse lady Medford, abordando a filha no momento em que cruzava a porta de casa.
Charity, a quem Liz tinha se juntado no parque antes que voltasse a casa, ouviu o tom da mãe e desapareceu como névoa sob o vento, deixando-a para que se defendesse sozinha.
— Mamãe.
Lady Medford caminhou ao longo do corredor e Liz a seguiu, resignada, arrastando os pés sobre o piso encerado de madeira. A mulher virou-se e encarou a filha como um general se dirigindo a um soldado.
— Chegou ao meu conhecimento que você foi vista dançando com o duque de Beaufort.
Liz soltou um grunhido. O duque era a última pessoa sobre quem desejava falar agora.
— Sim, no baile dos Peasley.
— Ele a está perseguindo?
— Creio que não. — Beaufort deixara bastante claro que não tinha a intenção de persegui-la!
— Bom. É melhor que não se envolva com ele.
Agora Liz estava confusa, já que a afirmação de lady Medford a qualificava como a única mãe em toda a cidade que não desejava ter a filha cortejada pelo rico, belo e disponível duque de Beaufort.
— Mamãe, eu asseguro de que não houve nada. Foi apenas uma dança.
— Ainda assim, o homem tem uma péssima reputação.  Qualquer envolvimento com ele tem grandes chances de se revelar uma decepção para você. Além do mais, não creio que seu pai aprovasse.
Liz olhou a mãe, espantada. Ela havia evitado a menção ao marido desde que este falecera. Então por que ela o fazia agora? Nada daquilo fazia sentido.
— Está tudo bem, mamãe. Não tenho qualquer esperança de merecer a mão do duque.
— Muito bem. Céus! Este ambiente precisa ser arejado.
Os criados estão se tornando relapsos em seus afazeres. Liz manteve a boca fechada. Os criados não eram relapsos. Estavam partindo. Sabiam tão bem quanto qualquer um que seu pai havia morrido sem deixar herança, e sim dívidas consideráveis.
Lentamente, vinham arranjando emprego em casas mais nobres e estáveis.
Virou-se para partir, presumindo que a mudança de assunto significava que estava dispensada.
— Não, não vá... Você tem visita.
Liz fechou os olhos por um momento. Poderia seu dia tornar-se ainda pior? Primeiro, a cena humilhante e malsucedida no parque. E agora, quando só queria paz, deveria receber.
E com que propósito? A mãe anunciaria seu noivado em questão de horas, e ela já estava sem ideias sobre como evitar o fato.
— Wetherby está esperando na sala de costura. Quis ter certeza de que você não nutria nenhum sentimento por Beaufort antes que a enviasse até lá. Mas vejo que, ao menos neste assunto, você é uma menina sensata.
Liz se encolheu. Falar sobre o duque de Beaufort era infinitamente preferível a falar com Harold Wetherby.
— Não podemos mais esperar, Liz. O fato de Wetherby não ter um título é lamentável, mas sua renda não. Dei-lhe todas as razões para que pensasse que seu pedido será aceito, ainda que, é claro, ele queira ouvir isso de sua boca.
Maldição. O plano podia ter falhado, mas, de qualquer modo, não estava pronta para encarar o primo.
— Sim. Vou vê-lo assim que me recompuser do passeio ao parque.
A baronesa concordou de pronto.
— Vou pedir que o mordomo transmita o seu recado.
Quinze minutos mais tarde, Liz adentrava o recinto. Seu indesejado futuro noivo encontrava-se à janela, batendo os calçados caros sobre o piso. Não parecia muito feliz em vê-la.
— Harold — ela saudou com tanta polidez quando pôde reunir, forçando um sorriso nos lábios.
— Liz.
Ela se retesou enquanto ele se aproximava.
— Você está ótima — ele elogiou, parando apenas quando estavam a alguns centímetros de distância. — Melhor do que esperaria de alguém lidando com o luto.
— É preciso seguir em frente.
— Tem razão. Ainda assim, você tem seguido em frente um pouco mais do que eu apreciaria.
Liz ergueu o queixo, num desafio. Do que ele a estava acusando?
— Nada a dizer em sua defesa, doçura?
— Não entendo o que diz.
— Não? Então deixe-me explicar. Por que pensa que me ofereci a você?
Liz tinha muitas teorias àquele respeito, mas, como Harold não iria apreciar nenhuma delas, manteve-se em silêncio.
— Respeitabilidade, Liz! Sua ausência de dote eu posso tolerar. Tenho fundos suficientes. Mesmo assim, planejo frequentar a sociedade, e certamente quero o respeito que deveria advir com o casamento com a filha de um nobre.
— Claro. Mas isso não explica por que me escolheu.
— Você sabe muito bem por quê. Seu pai, o jogador desgraçado que era, deixou-a a meu alcance.
— Compreendo — ela murmurou. Desistiu de mencionar que, para alguém que alegava querer respeitabilidade, ele não parecia ter escrúpulos quanto a usar uma linguagem inadequada diante de uma donzela bem-criada.
— Claro que não compreende. De outra forma, teria mais cuidado com a própria reputação.
— Minha reputação é assunto meu.
— Cuidado, Liz! Não vou aceitar uma esposa que me responda assim. Muito menos uma que tenha se arruinado.
Mesmo insultada como estava, Liz sentiu um raio de esperança. Ainda não havia feito nada inapropriado. Mas, se Harold acreditava ser diferente, talvez pudesse convencê-lo de que o
casamento não valeria a pena.
— Ainda não sou sua esposa, e você ultrapassa os limites me acusando de alguma impropriedade.
— Então o que significa isto? — Ele passou o dedo indicador pelo decote baixo.
— Como ousa? — Ela o estapeou, indignada.
— Por que não deveria? — Harold avançou outra vez, lançando-lhe um olhar maldoso. — Você se esforçou bastante para se deixar à mostra. Uma mulher respeitável teria mais cuidado ao se vestir. Assim como fará você quando for minha esposa.
— Eu não vou...
— E além do mais, você precisa ter mais cuidado com as suas companhias.
— O que quer dizer com isso?
— O duque de Beaufort! — explodiu o homem, com o rosto vermelho e os olhos faiscantes.
Liz cruzou os braços.
— Se está tão preocupado com seus avanços na sociedade, devia estar satisfeito por casar-se com alguém requisitado por figuras mais preeminentes do que o senhor.
Harold bufou, diante da resposta.
— Por mais que seja preeminente, o duque é um conhecido libertino! Todos sabem disso. Ainda assim, você o acompanha como se fosse uma criada qualquer.
Talvez o plano estivesse funcionando, concluiu Liz, lançandolhe um olhar provocativo.
— O duque me aprecia.
— Bah. Ele aprecia sua inocência, talvez. Mas, de agora em diante, vai guardar seus flertes e seu corpinho deleitável apenas para mim.
— Eu não havia me dado conta de que você era tão... antiquado. Afinal, pouquíssima gente na cidade espera um cônjuge fiel. Talvez não combinemos muito, no final das contas.
— Combinamos bem o suficiente. — Harold deu um passo à frente, fechando a mão em volta do braço dela. — Não vou deixar que seja arruinada por outro homem. O direito ao seu corpo
é meu. E vou casar-me com a filha de um barão, não com uma meretriz.
A bile subiu pela garganta de Liz ante a ideia de ela ter de encarar a intimidade de tal monstro. Sem pensar, ela o estapeou com toda a força que pôde reunir.
Harold a soltou tão depressa que ela chegou a cambalear.
— Sua cadela! — berrou, segurando o nariz.
— Saia daqui. — Ela apontou um dedo em direção à porta. Harold cambaleou até a saída e então se virou.
— Não pense que isto está encerrado, Liz. Você pode se safar agora, mas, como minha esposa, vai aprender a se curvar diante de minhas vontades. — Bateu a porta atrás dele com tanta força que fez a madeira reverberar sobre a soleira.
Liz sentou-se, tremendo, na poltrona mais próxima, e abraçou a si mesma com força. A pele do braço ainda ardia onde ele a havia apertado. Na manhã seguinte, haveria hematomas, sem dúvida.
A gritaria de Harold, contudo, podia significar que ele estava a ponto de desistir do casamento. Não poderia tratá-la daquela forma e ainda esperar se casar com ela!
Alex mirava o brandy através da penumbra do escritório.
Pensara em passar a noite em casa, mas o incidente da manhã, no parque, se repetia em sua cabeça. Por que não podia simplesmente bloqueá-lo? A adorável ruiva era tão louca quando o pai, mas o desespero que flagrara em seus olhos devorava-lhe a alma.
Ela jamais teria se aproximado se soubesse o que ele faria. Ou talvez tivesse, refletiu após um longo gole do conhaque. Afinal, ele havia tomado parte na destruição de sua família, ainda que não tivesse sido nada intencional. Por que ele não terminaria o trabalho?
Não. Irredimível como era, não desceria tão baixo. Aquilo era contra seu código de conduta.
Os olhos verdes e magoados de Liz dançaram em sua mente. Se ela ao menos soubesse... Não teria sido sacrifício nenhum. Ele podia se ver beijando o lábio carnudo ou o canto do sorriso tímido. Exploraria as formas esguias de seu corpo, a curva dos seios, a pele macia...
Virou o resto do brandy e se levantou. Até o pensamento o excitava.
— Hanson! — gritou pelo pajem.
Precisava de distração. Uma noite de cartas e bebedeira, talvez. Já que havia dispensado sua última amante, e como não gostava de casas de tolerância, iria se restringir aos clubes de cavalheiros.
Alex chegou ao White’s mais tarde naquela noite, apenas um pouco bêbado, e seguiu imediatamente para sua mesa. Os lordes Stockton, Wilbourne e Garrett, todos antigos jogadores, já estavam sentados e dedicados ao agradável passatempo de apostar quantias obscenas.
Enquanto sentava-se, um garçom apareceu com um copo de seu costumeiro conhaque, e Alex o agarrou. As três doses que tinha bebido antes de sair de casa não tinham apagado de sua memória a menina tentadora que lhe havia oferecido sua própria ruína naquele dia. Tampouco as lembranças do pai dela.
Os outros homens o conduziram a um jogo de cinco cartas. Jogaram várias rodadas, mas a mente de Alex não estava ali.
— Qual foi a coisa mais estranha que já ganharam nas cartas? — perguntou Wilbourne.
— Uma pequena propriedade na Escócia — lembrou-se lorde Stockton. — No alto das montanhas. Um lugar selvagem onde nenhum inglês em sã consciência viveria.
Lorde Garrett, o mais jovem, arrepiou-se.
— De qualquer maneira, terras são terras, e com frequência se aposta para obtê-las. Isso não é tão estranho. Eu, por outro lado, mereci ganhar um leitão premiado.
— Você, dono de um porco? — Wilbourne gargalhou.
— Pelo tempo que me leve até que o venda a qualquer preço.
Stockton balançou a cabeça. Apostador experiente, lidava apenas com dinheiro e terras.
— Um porco! — Wilbourne riu outra vez. — Algo que ganhou pode superar isso, Beaufort?
— Uma mulher — contou Alex, e quase imediatamente se arrependeu. Devia ter parado de beber quando houvesse alcançado  o ponto em que a boca funcionava mais rápido do que o cérebro.
Os outros três o fitaram, interessados.
— Conte. — Wilbourne baixou as cartas.
— Uma criada? — perguntou Stockton.
— Amante de alguém? — colaborou Garrett.
Ele sacudiu a cabeça, desejando não ter de explicar.
— A filha de alguém.
Os três homens pareceram horrorizados, e Alex suspirou.
— Eu estava apostando com um homem que havia passado dos limites. Eu não sabia, ou então jamais teria jogado com ele. De qualquer forma, é suficiente dizer, quando ele se deu conta de que não poderia pagar por suas muitas perdas, ofereceu a filha em troca.
— Quem faria tal coisa? — ofegou Wilbourne.
— O homem já faleceu. Prefiro não citar o nome e não pisarlhe ainda mais a memória.
— Barbaridade — grunhiu Stockton.
— Uma atitude positivamente medieval — confirmou Wilbourne.
— Você aceitou? — perguntou Garrett.
— É claro que não aceitou — respondeu Wilbourne por Alex.
Uma homem sentado à mesa mais próxima, o qual Alex, em meio ao torpor do álcool, não foi capaz de identificar, levantou-se e roçou suas costas enquanto passava, fitando-o por um pouco mais de tempo do que seria educado. Havia ouvido a conversa, sem dúvida.
Garrett olhou para Alex, buscando confirmação.
— Não, não aceitei — ele disse.
Seria sua reputação tão ruim a ponto de que os amigos o julgassem tão mal? Possuíra muitas amantes e concubinas, mas jamais havia tomado uma mulher que não se apresentasse por espontânea vontade.
Pôs-se de pé.
— Lamento arruinar suas expectativas, Wilbourne, mas vai ter de se contentar em ganhar o dinheiro desses outros cavalheiros  pelo restante da noite.
Liz chegou ao refúgio temporário do quarto, caminhou por alguns segundos, e então abriu o guarda-roupa e o baú.
Contemplou quais coisas seriam mais essenciais para que levasse consigo. A fúria e o medo que sentira diante de Harold haviam cedido, deixando para trás uma sentença firme.
— É um homem horroroso. Um verdadeiro animal.
Liz se assustou quando deram voz a seus pensamentos.
— Charity! Você realmente sabe surpreender as pessoas.
— Ele a machucou?
— Não muito. — Ela esfregou o braço.
— Liz, como você pode suportar? Ele é terrível demais.
Com renda ou não, não consigo compreender por que mamãe e nosso tio querem que se case com ele. Fiquei feliz por você tê-lo estapeado.
— Não foi meu melhor momento.
— Está errada. Ele merecia aquilo e mais. Você não pode casar-se com ele, Liz!
— Eu sei.
Charity olhou em volta, parecendo notar pela primeira vez as malas que a irmã estava fazendo.
— Está partindo?
Liz concordou em silêncio.
— Acho bom mesmo. — Charity suspirou. — Mas para onde vai?
— Vou visitar Bea. Ela vai me abrigar até que eu pense em algo.
Lady Beatrice Pullington havia adentrado a sociedade no mesmo ano que Liz, e as duas tinham se tornado amigas bem depressa. Bea se casara quase imediatamente, já que a família fizera arranjos antecipados com lorde Pullington, um membro mais velho da linhagem. Mas o homem havia vivido por apenas seis meses, até que seu frágil coração cedesse por completo, deixando Bea como uma próspera e jovem viúva.
Pelos últimos dois anos, Bea havia mantido a casa na cidade, um privilégio garantido por seu status de viúva. Era bonita e rica o suficiente para atrair outro marido. De qualquer modo, não tinha desejo de renunciar à independência que julgava merecer após o breve, porém, difícil casamento.
Liz sabia que poderia encontrar refúgio temporário com a amiga.
Charity concordou, tensa.
— Devo escrever-lhe uma mensagem enquanto você faz asmalas?
— Não. Ela teria de ser entregue, e é melhor que pouca gente saiba de meu destino. Confio que Bea não me deixará plantada à porta, por mais inesperada que seja minha visita. E também sei que posso confiar em você para que não diga nada a ninguém.
— É claro. E, Liz, você pode fazer isso sozinha. Não precisa que Beaufort a arruíne nem nada.
— Ah! Nem me lembre disso. Em que eu estava pensando?
— Ah, não seja tão dura consigo. Talvez você quisesse apenas um pouco de diversão, antes de se confinar a uma vida de tédio. O duque é bem “quente”, não é?
— Charity!
A irmã sorriu, depois voltou a ficar séria.
— Quando vai partir?
— Esta noite, depois que mamãe tiver se recolhido.
— Perfeito. Vou dizer que você escapou enquanto eu dormia. E vou agir como se estivesse magoada por não ter confiado em mim.
— Obrigada.
Liz sorriu e deu um rápido abraço na irmã. Então fechou a mala.
Nas horas seguintes, as duas circularam pela casa, fingindo estar tudo normal sempre que os criados se aproximavam, e fazendo planos sussurrados quando se viam a sós. A noite chegou, mas nenhuma mostrava qualquer inclinação para o sono. Charity olhou através da janela de Liz, agarrando as cortinas. A irmã, estranhamente calma, sentava-se próximo à penteadeira.
— Ouvi mamãe dizer que tem um encontro na residência dos Jameson esta noite. Assim que ela se for, você pode seguir seu rumo. Olhe! O condutor já está preparando o coche.
Liz concordou. O velho condutor, Fuston, estivera dirigindo na noite do acidente e havia desaparecido logo após a morte do pai dela. Na certa sentira-se culpado demais para permanecer no emprego.
— Pronto, minha irmã. Mamãe está subindo no coche!
Liz se levantou e contemplou a irmã que amava com todo o coração.
— Charity, tem certeza de que estará bem, depois que eu for?
A moça sorriu.
— É claro. Eu sei que não ficarão felizes comigo, mas posso suportar. Não precisa mais me proteger, Liz.
Liz deu-lhe um longo abraço.
— Vou sentir a sua falta mais do que tudo! — Recompôs-se rapidamente. — Vá na frente e consiga uma carruagem. Vou terminar aqui e estarei pronta quando ela chegar. Olhou o adorável quarto verde e dourado que conhecera por anos, e bateu a porta para aquela antiga vida.
O estábulo dos Derringworth, localizado nos arredores de Londres, servia apenas aos clientes mais distintos: nobres, em sua maioria. A empresa possuía tudo, desde cavalos de corrida até montarias para donzelas, com apenas uma regra: qualquer cavalo proveniente dos Derringworth era da mais alta qualidade.
A operação representaria a epítome do que Harold Wetherby aspirava se tornar. Motivo pelo qual o homem estava a caminho de lá, interessado em conseguir um novo animal.
Um jovem encontrava-se sentado a uma pequena escrivaninha à esquerda da entrada, e se levantou ao vê-lo.
Harold estufou o peito.
— Harold Wetherby. Vim para ver o garanhão que, dizem, está à venda.
— Sr. Wetherby... Sim, vi seu nome em nosso livro. Tim Kemble. Sou assistente do sr. Derringworth.
Um assistente? Sua visita não merecia a presença do proprietário?, perguntou-se Wetherby, irritado.
— Se milorde me acompanhar, podemos dar uma olhada no animal.
Passaram por uma baia vazia, depois por várias que abrigavam belos reprodutores e éguas, até que Kemble se deteve.
— Este garanhão é soberbo. Descendente de Warrior Prince. Agora, se é de um cavalo para cavalheiros que milorde está atrás, pode se interessar pelo Marty aqui. — Gesticulou para dentro de uma baia. — É também um belo animal.
Harold lançou ao bicho um olhar impaciente. O cavalo era mesmo excelente, mas suspeitou de que Kemble o houvesse julgado mentalmente como indigno do melhor animal que o estábulo possuía.
— Alguém aí? — Uma profunda voz masculina soou da entrada.

- Fonte:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá! Deixe seu comentário - sempre com bom senso ;-)

Nota: O blog Paixão por Livros não incentiva o download ilegal de livros e nem tampouco envia arquivos e/ou fornece links para tal. Então peço por favor que não utilizem este espaço para solicitar esse tipo de coisa, nem fornecer livros ou sites de download. Qualquer comentário dessa natureza será excluído, assim como propagandas, links pessoais e spam.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...